Vocês sabem o que querem?

NIETZSCHE, F., 1844-1900. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. Tradução P. C. de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 330p.

Nunca os torturou o medo de ser completamente inaptos para reconhecer o que é verdadeiro? O medo de seu tino ser muito obtuso, de mesmo a sensibilidade da visão ainda ser muito grosseira? Se notarem que tipo de vontade governa por trás de sua visão? Por exemplo, como ontem queriam ver mais que um outro, hoje querem ver diferente do outro, ou como já no princípio anseiam achar uma confirmação, ou o oposto daquilo que até o momento acreditou-se achar! Oh! vergonhosos desejos! Como vocês freqüentemente buscam o que o produz efeito forte e o que tranqüiliza – porque estão cansados! Sempre com ocultas predeterminações de como deveria ser a verdade, para que vocês pudessem aceitá-la! Ou acreditam que hoje, quando estão gelados e secos como uma clara manhã de inverno e nada lhes ocupa o coração, teriam uma visão melhor? Não se requer calor e entusiasmo para fazer justiça a uma coisa do pensamento? (78) – e justamente isto é ver! Como se vocês pudessem tratar as coisas do pensamento de forma diferente da como lidam com pessoas! Nesse trato há a mesma moralidade, a mesma probidade, as mesmas segundas intenções, a mesma frouxidão, o mesmo temos – o seu amável e odioso Eu! Seus cansaços físicos darão cores cansadas às coisas de forma diferente de sua tarde? Não temem reencontrar, na caverna de todo conhecimento, o seu próprio fantasma, como uma trama de que a verdade se mascarou perante vocês? Não é uma horrível comédia, esta na qual querem irrefletidamente representar um papel?

Vocês sabem o que querem?