Pós-humanidade: Em sua forma suprema, os robôs não serão nem escravos nem adversários da humanidade, mas a própria humanidade transfigurada […]

MORIN, E., Conhecimento, ignorância e mistério. Tradução Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020. 110p.

Em sua forma suprema, os robôs não serão nem escravos nem adversários da humanidade, mas a própria humanidade transfigurada.Os seres humanos não serão suplantados pelos robôs: vão se tornar robôs (Toshiharu Irõ).

Os motores que propulsionam a nave espacial Terra são ciência/técnica/ economia. Eles nos dirigem para dois futuros divergentes e antinômicos. Ambos já começaram.

Catástrofe

O primeiro está carregado de ameaças.

Para começar, a aventura da globalização (56) é profundamente ambivalente, e é difícil avaliar a importância comparativa de suas características negativas e positivas: seus imperativos, crescimento,desenvolvimento, ocidentalização, produzem processos positivos que solapam os autoritarismos das sociedades tradicionais, criam zonas de prosperidade, favorecem as trocas culturais internacionais, mas produzem, em contrapartida, processos negativos, internacionais, mas produzem , em contrapartida, processos negativos, convertem maciçamente a pobreza em miséria, aumentam sem solução de continuidade as desigualdades, destroem os movimentos de solidariedade, perturbam as civilizações tradicionais e as regulações naturais da biosfera.

A unificação tecnoeconômica do globo e a multiplicação das comunicações não provocaram uma consciência de destinos humanos, mas, pelo contrário, recuos particularistas para identidades étnicas e/ou religiosas; não uma grande união, mas uma multiplicação de desorganizações e rupturas políticas e culturais degenerando em conflitos.

Para além de suas ambivalências, o processo globalizante, que prossegue de uma maneira irresistível, tende a aumentar, acumular e combinar processos que conduzem a catástrofes em cadeia.

Notemos:

A degradação contínua da biosfera, que nada tem podido frear, compreende não só as poluições urbanas e industriais, não só a diminuição da biodiversidade, não só o aquecimento climático, não só o desflorestamento maciço, não só a desvitalização dos oceanos, mas também a esterilização maciça dos solos dedicados às monoculturas da agricultura industrializada, produzindo alimentos padronizados, insípidos, impregnados de pesticidas, perigosos para a saúde dos povos do planeta.

A hegemonia mundial da finança sobre as economias e os Estados provocou o reinado do lucro imediato, submetendo Estados-nações e o gênero humano a seu império.

A ausência de verdadeira regulação da economia globalizada suscitouapropropriações especulativas, o enorme poderio financeiro das máfias, evasões de capital e mais diante a crise financeira de 2008, que prossegue aos sobressaltos, agravando a situação das classes pobres e médias.

O planeta estará cada vez mais sujeito a dois tipos de crises de civilização; a crise das civilizações tradicionais sob os efeitos da ocidentalização; a crise da civilização ocidental em que o bem-estar material não gerou necessariamente o bem-viver, em que o cálculo, o lucro, a padronização da vida se tornaram hegemônicos. Essas duas crises provocam, cada vez mais insatisfações, rancores, frustrações, revolta; essas duas crises se ligam na crise da humanidade, que não consegue se tornar humanidade.

A multiplicação e a miniaturização das armas nucleares aumentamos riscos de sua utilização no contexto dos crescentes fanatismos e cegueiras. A isso se somam as novas formas de guerra (mísseis, drones, atentados suicidas, que matam indistintamente as populações) e virão se somar aos ciberataques de uma guerra informática, atingindo as malhas nervosas vitais das sociedades.

A multiplicação das fontes de conflitos das situações de guerra provoca o desencadeamento de fanatismos étnicos, nacionais, religiosos que levaram à desintegração de nações como a Líbia, o Iraque, a Síria, conflitos que se internacionalizam e disseminam suas metástases no conjunto do planeta.

O agravamento das relações entre o mundo ocidental e o mundo árabe-islâmico tornou-se uma fonte crescente de revoltas e violências.

A multiplicação das migrações de guerra, de perseguições, da miséria provoca reações cada vez mais xenófobicas e racistas nos países que se recusam a acolher ou amontoam os refugiados em acampamentos.

O sonambulismo do mundo político, que vive no dia a dia, do mundo intelectual cego à complexidade, e a inconstância generalizada contribuem para a marcha em direção a catástrofes.

Tudo contribui, portanto, para nos levar a contemplar a probabilidade de um futuro em que uma multiplicidade de catástrofes, ao provocar uma às outras, levaria a grandes cataclismos, atingindo todos os aspectos da vida humana, promovendo regressões gerais de civilização das quais seriam vítimas as liberdades, as democracias,as conquistas sociais que ainda subsistem. Naturalmente, são apenas probabilidades, nada é certo, mas só será possível escapar desse rumo provável mudando de caminho.

Certas regressões políticas, de resto, já começaram, inclusive na Europa. Um conflito nuclear poderia provocar a maior e a mais duradoura catástrofe. (Continua)

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56. I. Cf. La Voie, op. cit.

Pós-humanidade: Em sua forma suprema, os robôs não serão nem escravos nem adversários da humanidade, mas a própria humanidade transfigurada […]

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