Pulsões sexuais e neurose

FREUD, S., 1856-1930. Cinq leçons sur la psychanalyse suivi de Contribution à l’histoire du mouvement psychanalytique. Paris: Payot, 2015. 206p.

Senhoras e senhores,

A descoberta da sexualidade infantil e a identificação dos sintomas neuróticos como pulsões sexuais nos conduziu a fórmulas inimagináveis sobre a origem e predisposição à neuroses. Passamos a compreender a razão pela qual o ser humano adoece quando, por motivos exteriores ou por insatisfação relacionada aos seus desejos sexuais, reprimidos, na realidade. Vemos então, que desenvolvem e refugiam-se, inconscientemente, na doença, afim de sentir prazer quando a vida lhe recusa. Constatamos que os sintomas mórbidos são uma parte da atividade sexual do indivíduo ou mesmo sua vida sexual completa; afastar-se da realidade, é a tendência natural, mas também o risco que advém dessa atitude é adoecer. Acrescentamos a isso a resistência do doente a curar-se. Não é apenas o eu do doente que se recusa energicamente a abandonar o estado de repressão que o ajuda a recuperar sua disposição habitual para viver; as pulsões sexuais, também, não desejam renunciar à satisfação que tem e que foi produzida pela doença, e ignoram que a vida real poderá fornecer alguma coisa de melhor.

A fuga da triste realidade provoca um certo bem estar, mesmo com a doença. O indivíduo se realiza,  evocando fases da vida sexual, quando se sentia satisfeito. A regressão apresenta-se de duas formas: uma, leva o indivíduo ao passado, quando revive períodos da sua libido, do seu desejo erótico; outra, apresenta atitudes próprias dos períodos primitivos¹. Porém essas duas formas, cronológica e formal, remetem a uma única situação: retorno à infância e restabelecimento de uma etapa infantil da vida sexual.

Quanto mais aprofundamos na patogênese das neuroses, mas veremos as relações entre elas e outros fenômenos da vida psíquica do homem, mesmo àqueles os quais damos mais valor. E percebemos como a realidade nos satisfaz pouco a despeito da demanda das exigências culturais; desta forma, sob pressão das nossas repressões interiores, divertimo-nos intimamente com uma vida de fantasia que, realizando os nossos desejos, compensa a falta de uma vida verdadeira. Nessas fantasias encontra-se a essência da personalidade e desejos reprimidos em benefício da realidade. O homem enérgico, é aquele que consegue transformar em realidade as fantasias relacionadas aos seus desejos. Quando este processo falha em razão de circunstâncias exteriores e da fraqueza do homem, aquele se afasta do mundo real; e se volta para um universo mais feliz da sua fantasia; em caso de doença, transforma o conteúdo em sintomas. Em certas condições favoráveis, pode ainda encontrar um outro meio de passar das fantasias à realidade, em vez de estender-se permanentemente por regressão no domínio infantil; eu entendo que, se ele tem o dom artístico, psicologicamente tão misterioso, pode, no lugar dos sintomas, transformar seus sonhos em arte.  Além disso, escaparia da neurose e ele encontraria uma conexão por este desvio  com a vida real¹. Quando esta preciosa faculdade falta ou se mostra insuficiente, é inevitável que a libido busque, por regressão, o ressurgimento dos desejos infantis, e. em consequência, das neuroses; na nossa época, a neurose retorna ao claustro onde todos os doentes costumam proteger-se da vida ou das fraquezas que não suportam.

Gostaria de registrar aqui o principal resultado que tivemos graças ao exame psicanalítico das neuroses: a saber, que os neuróticos não têm nenhum conteúdo psíquico próprio que também não são encontrados nas pessoas com boa saúde mental, ou, como C. G. Jung afirmava,  os neuróticos sofrem dos mesmos complexos contra os quais todos nós lutamos. Apenas vai depender do equilíbrio quantitativo e da força vital que lutam entre si para proteger a saúde, a neurose ou o mecanismo de compensação.

Devo ainda mencionar o fato que considero o mais importante e que confirma a nossa hipótese sobre forças das pulsões sexuais da neurose. Cada vez que tratamos psicanaliticamente um neurótico, esse último apresenta de repente  um  fenômeno que denominamos transferência. Isso significa que o doente se aproxima do médico com um transbordamento de emoções afetuosas, porém mesclada com hostilidade, que não tem origem na sua razão de ser em alguma experiência real; a maneira como aparece, e suas particularidades, mostram que são o resultado de antigos desejos inconscientes. Este fragmento da vida afetiva que ele não pode mais lembrar, o doente revive nas suas relações com o médico; isto não é nada mais do que uma lembrança por transferência, uma sugestão sobre a sua existência como a força dos seus movimentos sexuais inconscientes. Os sintomas podem ser comparados com a química, são advindos de antigas experiências de amor (no sentido mais amplo do termo), não podem dissolver-se e transformar-se em outros produtos psíquicos mesmo à temperatura mais elevada do evento da transferência. Nesta reação, o médico joga, seguindo a excelente expressão de Ferenczi, o objetivo de um fermento catalítico que atira temporariamente a ele os efeitos que são liberados. […]

 

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