“Vaso da felicidade”

NIETZSCHE,F. W., 1844-1900. Humano, demasiado humano: um livro para espíritos livres. Tradução P. C de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 349p.

A esperança. – Pandora trouxe o vaso (38) que continha os males e o abriu. Era o presente dos deuses aos homens, exteriormente um presente belo e sedutor, denominado “vaso da felicidade”. E todos os males, seres vivos alados, escaparam voando: desde então vagueiam e prejudicam os homens dia e noite. Um único mal ainda não saíra do recipiente; então, seguindo a vontade de Zeus, Pandora repôs a tampa, e ele permaneceu dentro. O homem tem gora para sempre o vaso da felicidade, e pensa maravilhas do tesouro que nele possui; este se acha à sua disposição: ele o abre quando o quer; pois não sabe que Pandora lhe trouxe o recipiente dos males, e para ele o mal que restou é o maior dos bens – é a esperança – Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos outros males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a se deixar torturar. Para isso lhes a esperança; ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens.

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38. “vaso”: FaS , no original. Habitualmente se fala em ‘caixa de Pandora”, mas a consulta a uma edição bilingüe de os trabalhos e os dias, de Hesíodo (trad. Mary de Camargo Neves Lafer, São Paulo, Iluminuras, Biblioteca Pólen, 1990, p. 28), revela que o termo grego original é pithos, que corresponde a “vaso, recipiente, jarro 9esta a opção da tradutora), em português , e a FaS, em alemão. O comentário de Nietzsche sobre o mito de pandora, nesta seção, tem afinidade com um belo poema de Manuel Bandeira, intitulado “A vida sssim nos afeiçoa”.

“Vaso da felicidade”