Contra os que têm resposta para tudo

ADORNO, T. W., 1903-1969; HORKHEIMER, M., 1895-1973. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos.  Tradução Guido A. de Almeida.  Rio de Janeiro: Zahar, 1985.  223p.

Uma das lições que a era hitlerista nos ensinou é a de como é estúpido ser inteligente.  Foram os argumentos bem fundamentados com que os judeus negaram as chances de Hitler chegar ao poder, quando sua ascensão já estava clara como o dia! Tenho na lembrança uma conversa com um economista em que ele provava, com base nos interesses dos cervejeiros bávaros, a impossibilidade da uniformização da Alemanha. Depois, os inteligentes disseram que o fascismo era impossível no Ocidente. Os inteligentes sempre facilitaram as coisas para os bárbaros, porque são tão estúpidos. São os juízos bem informados e perspicazes, os prognósticos baseados na estatística e na experiência, as declarações começando com as palavras: “Afinal de contas, disso eu entendo”, são os statements* conclusivos e sólidos que são falsos.

Hitler era contra o espírito e anti-humano. Mas há um espírito que é também anti-humano: sua marca é a superioridade bem informada.

A transformação da inteligência em estupidez é um aspecto tendencial da evolução histórica. Ser razoável, no sentido em que entendia Chamberlain, quando, em Godesberg, chamava as exigências de Hitler de unreasonable**, significa que é preciso respeitar a equivalência entre dar e tomar. Essa concepção da razão foi elaborada com base na troca. Os fins só devem ser alcançados através de uma mediação, por assim dizer, através do mercado, graças à pequena vantagem que o poder consegue tirar observando a regra do jogo: concessões em troca de concessões. A inteligência é superada tão logo o poder deixa de obedecer à regra do jogo e passa à apropriação imediata. O meio da inteligência tradicional burguesa, a discussão, se desfaz. Os indivíduos já não podem conversar e sabem disso: por isso fizeram  do jogo uma instituição séria, responsável e exigido a utilização de todas as forças, de tal sorte que, por outro lado, o diálogo não é mais possível e, por outro, nem por isso é preciso se calar.  As coisas não se passam de modo muito diferente numa escala maior. Não é fácil falar com um fascista. Quando o outro toma a palavra, ele reage interrompendo-o com insolência. Ela é inacessível à razão porque só a enxerga na capitulação do outro.

A contradição que consiste na estupidez da inteligência é uma contradição necessária. Pois a ratio burguesa tem que pretender a universalidade e, ao mesmo tempo, desenvolver-se no sentido de restringi-la. Assim como, na troca, cada um recebe sua parte, daí resultando, porém, a injustiça social, assim também a forma reflexiva da economia da troca, a razão dominante, é também justa, universal e, no entanto, particularista, isto é, o instrumento do privilégio na igualdade. É a ela que o fascista apresenta a conta. Ele representa abertamente o particular e revela assim as limitações da própria ratio, que insiste injustificadamente em sua universalidade. O fato então de que, de repente, os inteligentes são os estúpidos prova para a razão que ela é a irrazão.

Mas o fascista também é atormentado por essa contradição. Pois a razão burguesa, de fato, não é meramente particular, mas também universal, e sua universalidade cai de surpresa sobre o fascismo, quando ele a renega. Os que tomaram o poder na Alemanha eram mais inteligentes que os liberais, e mais estúpidos. O progresso em direção à nova ordem recebeu um amplo apoio daqueles cuja consciência não acompanhou o progresso, ou seja, dos falidos, dos sectários, dos tolos. Eles estão salvos dos erros, mas também, com suas qualidades como miopia intelectual, obstinação, desconhecimento das forças econômicas e, sobretudo, com a incapacidade de ver o negativo e levá-lo em conta na avaliação da situação em seu conjunto, também contribuem subjetivamente para a catástrofe que, no íntimo, sempre esperaram.

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*Declarações, enunciados. (N.T.)

**Não razoável, irracional. (N. T.)

 

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